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segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Guerra de 1948

Em 29 de novembro de 1947, um dia após a votação da Partilha da Palestina pelas Nações Unidas, o colono judeu Ehud Avriel foi convocado a comparecer diante da Agência Judaica, organização que representava os judeus da Palestina, antes da criação de Israel. Ele foi recebido por um homem robusto, de cabelos desgrenhados e grisalhos. Seu nome era Davi Ben Gurion, o líder supremo dos sionistas. Nascido na Polônia, ele fugira do anti-semitismo e dos pogroms (perseguição em massa) europeus em 1909, migrando para a Terra Santa. Lá, com seu carisma e liderança, tornou-se a encarnação viva da causa sionista. “Daqui a seis meses, declararemos a independência de Israel. Nesse mesmo dia, cinco exércitos árabes nos atacarão”, previu Ben Gurion, com incrível exatidão. “Se não conseguirmos obter armas com a máxima urgência, seremos aniquilados.” Em seguida, o chefe da Agência Judaica encarregou o correligionário de uma missão crucial: viajar à Europa para contrabandear armamentos. Avriel assentiu. No dia seguinte, pegou um avião para Genebra com uma lista quilométrica para comerciantes do mercado negro: 1 milhão de balas, mil metralhadoras e 1,5 mil submetralhadoras.
Ben Gurion, cujos talentos de estrategista tornariam-se mitológicos, sabia que os árabes não aceitariam a Partilha. Também sabia que as táticas de guerrilha da milícia clandestina sionista (o Hagannah) não seriam suficientes para deter os inimigos. Entre 1947 e 1948, Ben Gurion contrabandeou toneladas de armas, principalmente da Tchecoslováquia, e incorporou ao Hagannah dois grupos militantes radicais – o Irgun e a Gangue Stern. Nascia assim a FDI – Forças de Defesas Israelenses, que na época contava com pouco mais de 20 mil soldados.
RIFLES ENFERRUJADOS
Ao contrário dos sionistas, os palestinos tinham uma organização mínima. Sua espinha dorsal fora quebrada em 1936, quando uma grande rebelião contra o domínio britânico e a imigração judaica foi esmagada pelas forças conjuntas dos britânicos e das milícias sionistas – com um saldo de 5 mil árabes e 400 judeus mortos. Sem nenhuma liderança forte, empunhando rifles enferrujados e com apenas 2,5 mil soldados de verdade, eles eram a menor das preocupações para os generais israelenses. O verdadeiro desafio vinha dos países árabes vizinhos, cujos exércitos somavam mais de 25 mil homens com armas modernas, vendidas principalmente pela Grã-Bretanha.
Foi Ben Gurion quem leu a Declaração de Independência de Israel, em Tel-Aviv, na ensolarada tarde de 14 de maio de 1948, diante de uma multidão em êxtase. Foi também ele quem comandou a guerra contra o rei Abdullah da Jordânia e seus aliados árabes, que na manhã seguinte bombardearam Tel-Aviv e atravessaram as recém-traçadas fronteiras do país.
O conflito que se seguiu foi um triste prenúncio do que estava por vir nas próximas décadas. Ambos os lados atacaram a população civil, com pesadas baixas. De acordo com o historiador Mitchell Bard, mais de 6 mil judeus foram mortos nos meses seguintes, entre soldados e não-combatentes – 1% da população total.
Israel não ficou atrás no que diz respeito a crimes de guerra. Segundo historiadores como o brasileiro André Gattaz e o israelense Avi Shaim, grupos armados caíram com fúria sobre a população árabe palestina, num banho de sangue que varreu do mapa centenas de vilarejos. A chacina mais famosa ocorreu em Deir Yassin, a poucos quilômetros de Jerusalém – um evento que se tornou emblemático para a resistência palestina (leia no quadro abaixo). A maior parte da população árabe em grandes cidades, como Haifa e Jaffa – que hoje é um subúrbio de Tel-Aviv – fugiu ou foi expulsa. “Por prudência, por pânico e por causa da política deliberada do Exército israelense, quase dois terços dos palestinos deixaram suas casas e tornaram-se refugiados”, escreve o historiador britânico de origem libanesa Albert Hourani, no clássico Uma História dos Povos Árabes (Companhia das Letras, 2006). De 500 mil a 900 mil árabes, entre cristãos e muçulmanos, foram para o exílio, de acordo com estudos das Nações Unidas. Milhares de judeus também foram violentamente expulsos de países árabes.
Apesar da superioridade numérica, os exércitos anti-sionistas tinham uma desvantagem que até hoje assola o mundo árabe: a desunião interna. Intrigas, desavenças e crises de ciúmes entre os chefes mergulharam a campanha na anarquia. Já os sionistas mantiveram-se unidos sob a mão férrea de Ben Gurion – que se tornou primeiro-ministro de Israel em 1948 – e destroçaram os cincos exércitos inimigos em cerca de oito meses. O conflito, que hoje é lembrado pelos israelenses como a Guerra da Independência, acabou em julho de 1949, com uma série de armistícios humilhantes assinados por quase todos os países árabes envolvidos. Os combatentes guardaram suas facas e metralhadoras, mas não trancaram a porta da caserna: o segundo round poderia começar a qualquer instante.
EXPANSÃO ISRAELENSE
A Palestina, agora, tinha uma cara completamente transformada. A Partilha, acertada pela ONU, dois anos antes, foi para o espaço: entre 1947 e 1949, Israel não se limitou a defender suas fronteiras, avançando sobre território alheio. Se antes os israelenses controlavam 55% da região, a fatia crescera agora para mais de 75% .
Fora de Israel, sobraram apenas dois pedacinhos de terra palestina – que até hoje compõem um mantra eternamente repetido nas manchetes de jornais, nos tratados de paz, nas resoluções da ONU, nos brados dos radicais e nas preces dos moderados: a Faixa de Gaza, que fica no litoral do Mediterrâneo, a sudoeste de Israel, e a Cisjordânia, na fronteira oriental. O destino e o status desses territórios, que juntos não chegam a formar 10 mil quilômetros quadrados, continuam no olho do furacão do Oriente Médio. Na época, as duas fatias de terra foram anexadas por vizinhos árabes que, teoricamente, tinham entrado na guerra para garantir os direitos dos palestinos. O Egito ficou com a Faixa de Gaza. O rei jordaniano Abdullah abocanhou a Cisjordânia e a parte oriental de Jerusalém – onde se encontram dois dos maiores santuários do Islã, a Mesquita de Al-Aqsa e o Domo da Rocha. A ONU abençoou as novas fronteiras e o mundo respirou aliviado. Menos os palestinos – que ficaram com nada.

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